Quando o trigo amadurece…

Publicado por Antonio Carlos Santini 15 de janeiro de 2013

Um bom vinho precisa maturar. Demanda tempo. Sóis e luas. E o curso das estações lhe dará, por fim, a cor do sangue e o sabor da vida. Nem mais, nem menos…

Foi isto o que senti ao ler os novos poemas assinados por Anderson Braga Horta em seu livro “De Viva Voz” [Ed. Thesaurus, Brasília, 2012]. Estou diante de uma poesia madura, dourada como os trigais de Eugênio de Castro, com aquele sopro do vento nas espigas dançantes.

Natural que a poesia dos jovens seja um tanto verde. Que seja agitada pela emoção sem freios, como vinho verde que arrebenta os odres. Ou se mostre hidroaçucarada, sem as essências e o buquê de um velho xerez.

Como escreveu Napoleão Valadares, apresentando o livro, “cada poema de Anderson Braga Horta é decantado. Não no sentido de celebrado ou exaltado em cantos, mas no sentido de limpo, purificado. Nos seus poemas está a poesia. São pura poesia”.

Ah! Como é bom envelhecer! Deixar que a tempestade pode alguns galhos, que as auras do crepúsculo serenem a seiva agitada, até chegar o tempo da florada e da colheita… Se eu morresse amanhã, como o jovem romântico, diria adeus antes da vindima…

Bem sabe disso o poeta, ao dizer:
Sou árvore e sou pássaro.
Tenho vontade de asas
e deito raízes.
(ARIETAS)

Ele sabe que a pressa é inimiga da beleza:
Seja no mar ou na neve,
não se apresse, coração,
a rosa e o hipocampo em breve,
em breve se encontrarão.
(MEDITAÇÃO)

Só o tempo fugitivo nos permite apreender em sua essência o verdadeiro sentido da vida, sem excluir as noites escuras:
Para cumprir a Lei do meu Senhor,
do negrume em que vou forjo uma flama,
dos desastres que fui nasço uma flor.
(CAVALEIRO)

Quando o trigo amadurece, pode ser colhido e feito flor de farinha, pão saboroso na mesa do homem e no altar de Deus. Mas é preciso dar tempo, deixar-se cristalizar:
Cristal me fiz:
Crisol de sangue e água.
Um sol atravessou meu coração.
(DE SÚBITO)

O tempo cederá ao eterno. Passará. Mas deixará pegadas nesta vida. Nada que traga temores nem presságios:
Teu dia já termina,
mas adverte que a sombra
tem seus próprios encantos.
Assim, sem te apressares
e atento a teus deveres,
antes que venha o bote,
carpe noctem.
(CARPE VITAM)

 

Na capa do livro, a imagem de Sísifo sobre um círculo de luz, a rocha transfigurada. Nos ombros, só a noite:
Rompe a manhã, senil, semeada de escombros.
Perde-se o meio dia entre nimbos. Escura
pende a tarde, sabendo a cinza e sepultura.

 

O poeta carrega a noite nos ombros.
(SÍSIFO)

Bendito seja o tempo, que nos deu um grande poeta!

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