Do canhão à oração

Publicado por Antonio Carlos Santini 31 de julho de 2014

O mundo vai mal? Tem conserto? Como é possível transformá-lo?

Se os noticiários refletem a realidade dominante, o mundo realmente vai mal. Os pessimistas aplaudem.

Os céticos duvidam da possibilidade de consertar e concertar o planeta dos homens. Seus defeitos de fabricação, eles não crêem no pecado original…, seriam insuperáveis.

Os revolucionários discordam. Para eles, é preciso urgentemente mudar o mundo, transformar a sociedade, triturar o capitalismo. Como fazê-lo?

Há mais de uma receita. Por exemplo, a insurreição, como na Rússia, ou a revolução, como na China. Ambos os métodos incluem o uso da força, a prática da violência, a ruína do sistema vigente. Pode-se decapitar a rainha, como na França, ou esmagar minorias, como no Afeganistão. Vale tudo. A mudança rápida e radical ignora a ética e a estética.

Claro, tais decisões brotam de um impulso de onipotência. Como escreveu Mao Tsé-tung, “nós somos os advogados da onipotência da guerra revolucionária… O mundo inteiro pode ser remodelado pelo canhão”.

Que dizem os cristãos? Adotariam um desses métodos de transformação social?

Trata-se de uma tentação permanente, que pode dominar um padre católico, como Camilo Torres, e fazer dele um guerrilheiro na Colômbia. A mesma tentação mexeu também com os nervos e os valores de Jean-Bertrand Aristide, padre salesiano que, inspirado por um ramo da teologia da libertação, acreditou que faria maior bem ao Haiti como líder político. Elegeu-se presidente em três períodos e, já expulso da congregação de Dom Bosco, levou o país a uma sangrenta guerra civil.

Estaremos no reino do absurdo? Para construir a paz usaremos de métodos violentos? Para vencer a injustiça adotaremos os mesmos processos dos injustos? Assassinando os tiranos não nos tornamos iguais a eles?

Passo a palavra a Henri Nouwen, citando seu livro “Estrada para a paz”: “Uma das razões pelas quais tantas pessoas nutrem fortes reservas em relação ao movimento pacifista, é precisamente o fato de não verem nos pacifistas a paz que estão buscando. Muitas vezes, o que veem são pessoas ameaçadoras e furiosas tentando convencer os outros da urgência de seu protesto. A tragédia é que os pacifistas com frequência revelam mais os demônios contra os quais estão lutando do que a paz que desejam promover”.

A história é neutra, apenas registra: ali onde o canhão foi escolhido como método de pacificação, ali mesmo o homem tornou-se bucha de canhão. O preço da paz foi a opressão, a ruína e a morte. Cidades destruídas, campos devastados, mulheres violadas, crianças órfãs, minorias sedentas de vingança. Triste paz!

Que alternativa nos resta enquanto cristãos? Devolvo a palavra a Henri Nouwen: “Um pacificador ora. A oração é o começo e o fim, a origem e o fruto, o âmago e o conteúdo, a base e a meta para toda busca da paz. Digo isso sem apologia, porque me permite ir direto ao centro da questão, que é o fato de a paz ser uma dádiva divina, um dom que recebemos em oração”.

E devo ainda citar Douglas Hyde, um ex-dirigente comunista: “A arma do cristão é a espada do espírito. As armas são diferentes, a meta, no entanto, é a mesma, ganhar os corações e as inteligências dos homens e transformar o mundo”.

Natural, orar significa apostar em Deus. Estender as mãos vazias para dele receber o dom da paz. Há quem prefira aposentar Deus e tornar-se ele próprio o todo-poderoso que faz a guerra em nome da paz.

Enquanto for assim, palestinos, sudaneses e ucranianos continuarão ouvindo o sibilar dos mísseis e o ruflar dos canhões.

Ainda é tempo de rezar?

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