O sopro olímpico

Publicado por Antonio Carlos Santini 13 de dezembro de 2013

Se você for ultrapassado, na rua, por uma pessoa em desabalada corrida, não se apresse igualmente, julgando-a um meliante em fuga. Se você gritar pela polícia, corre o risco de se enganar. Pode ser apenas alguém que se prepara para as Olimpíadas do Rio-1916…

O ideal olímpico revela uma visão otimista do homem: “mais alto, mais rápido, mais forte”, altius, citius, fortius, no latim do Barão de Coubertin. Como pano de fundo, um ato de fé na capacidade humana de permanente superação, como se não existissem limites para o humano. Algo semelhante àquele impulso que levou Ícaro às alturas. Consideremos o seu desfecho funesto como simples acidente de trabalho.

O perfil psicológico do atleta bem pode sugerir uns traços de exibicionismo. Afinal de contas, seu sonho íntimo é acabar no pódio, coroado de louros e, hoje, também de ouros. À vista de todos, sob aplausos e elogios, fotografado e elevado às manchetes e às telas da TV, o vencedor acena para a plateia entusiasta, manda beijinhos e sonha com a recíproca. No fundo, o competidor anseia por vinte segundos de adoração, travestido em semideus.

É bem verdade que este sonho é democrático. Todos podem alimentá-lo. Em nossos dias, até mesmo os chamados “deficientes” são convidados a demonstrar sua “eficiência” nos Jogos Paraolímpicos, onde brotam heróis das mais profundas limitações. É possível comover-se com o cenário do basquete para cadeirantes e do futebol para cegos.

O que nos leva a outro aspecto notável da psicologia do atleta: a ascese, autosacrifício para o aperfeiçoamento. Há mesmo quem afirme que, em nossos dias, a antiga ascese dos santos e dos eremitas ficou restrita aos atletas e desportistas: ela se manifesta na dureza dos treinamentos, na vida sóbria, nos músculos rompidos, na diuturna dedicação em busca de melhores marcas e resultados. São verdadeiros “sacrifícios” livremente assumidos em nome do espírito olímpico. Por este espírito, profissões são abandonadas, matrículas trancadas, noivas esquecidas…

Claro, como tudo neste planeta esfumaçado, existe o lado negro da história. Lamenta-se a fraude do dopping: o uso de substâncias proibidas para melhorar o desempenho e quebrar recordes. Verifica-se também a utilização política do atleta. Nas Olimpíadas de 1936 em Berlim pretendia-se demonstrar a superioridade da raça ariana através dos resultados, pretensão logo desfeita pelo negro norte-americano Jesse Owens na prova dos 100 metros rasos. Mais recentemente, em plena guerra fria, atletas do bloco soviético receberam doses cavalares de hormônios, o que resultou em muitas vitórias, alterações de características sexuais e cânceres mortais.

Aliás, mortais somos todos nós, inclusive os heróis da Olimpíada. Depois da vitória, Jesse Owens ganhou a vida com exibições, correndo contra atletas locais e até mesmo contra cavalos. Fumante, morreria no dia 31 de março de 1980, aos 76 anos, de câncer no pulmão.

Parado no sinal vermelho, você vê o futuro competidor que passa correndo. Não ria dele. Não se percebe externamente, mas arde no seu coração o mesmo fogo que Prometeu roubou do Olimpo. Ele não se resigna a não ser deus. Se dependesse desse reles mortal todos nós seríamos deuses. Mesmo com uma prótese de carbono substituindo as pernas comuns, ele prosseguirá correndo, saltando obstáculos, atravessando barreiras.

Sabe por quê? Ele é humano…

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