Fora de moda

Publicado por Carlos Scheid 26 de maio de 2017
fora de moda

fora de moda

– Simpática moçoila, eu queria um par de galochas…
– Par de quê!?
– Galochas…
– Um momentinho… Seu Gonçalves, nós temos galochas pra vender?
Veio o dono do armarinho com um meio sorriso.
– Não. Não temos. O último par foi vendido em 1958, em junho, na semana em que o Brasil foi campeão do mundo na Suécia…
– Cáspite! Então já não fabricam galochas?! Vai ver também que o senhor não terá umas polainas para mim… Aquelas de duas cores, marrom e branco…
– É verdade. Sinto muito, mas não temos polainas. Se o amigo observar na rua, ninguém usa mais essas coisas…
– É mesmo? Será que estou ficando zureta?
A balconista não evitou um sorriso:
– Que é zureta?
– Deixa pra lá, jovem manceba. Está cada vez mais difícil viver neste mundo moderno, cheio de desprezo pelas coisas de antanho!
– Antanho? Que é isso?
– Coisas de outrora. Coisas do tempo do onça. Coisas daquele tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça!
A balconista soltou uma gargalhada:
– O senhor é muito engraçado!
– E tem mais: vocês acabaram de tirar o trema da lingüiça. Como é que vou amarrar cachorro com linguiça? O Totó vai rir na minha cara! Que mancada!
– O seu cachorrinho manca?
– Nada disso, minha leda donzela. Mancada é um lapso, uma cincada…
– Fiquei na mesma.
O dono da loja acudiu:
– É o mesmo que gafe, um vacilo…
– Ah! Agora deu pra entender!
Muito gentil, a garota perguntou:
– O senhor não precisa de mais nada?
– Careço, sim. Deixe examinar o meu rol…
– Rol?
– Minha lista de compras… Preciso de duas folhas de mata-borrão e um vidrinho de tinta Parker Quink…
– Mata o quê?!
– Mata-borrão. Ou você quer que eu use areia para secar a tinta?
– O senhor não prefere caneta esferográfica? Não precisa secar nada…
– Não me venha com modernismos. Essas ingresias vão acabar vazando nas minhas algibeiras. E não posso me delongar, pois já estou com o pé no estribo. Ainda vou passar na farmácia e comprar uma pomada Minâncora, um sabonete Santelmo, sais para desmaio e um vidrinho de óleo Dirce. Ah! E um maço de cigarros Yolanda na charutaria…
– Passe aqui outra hora, com mais calma, e vamos achar alguma coisa para o senhor…
– Duvido muito! Duvido e faço pouco! Não faça promessas que não pode cumprir: todo paroleiro fica com a cara no chão!
Antes que o freguês dobrasse a esquina, a balconista suspirou:
– Seu Gonçalves, eu tô de bobis! Viu só que bicho cabuloso? Não saquei bulhufas do que o vovô falou!
– Pois é, minha filha… Os tempos mudaram…
– E por falar nisso, o que é zureta?
– Zureta? Você não sabe? Ora, é o mesmo que orate… espaventado… zuruó…

Comentários
  • Antônio Carlos Santini 2512 dias atrás

    E as balas Atlas, Laura, com as figurinhas e os álbuns? E as estampas Eucalol? E as crônicas do Genolino Amado, que o César Ladeira lia na Rádio Nacional, meia-dia em ponto?

  • Laura Menezes 2514 dias atrás

    E o almanaque do Biotônico Fontoura, com suas charadas, advinhações, curiosidades e humor espirituoso, todo ano eu passava nas Pharmácias para apanhar meu exemplar”

Deixe um comentário

banner

Fundação Metro

Clique Aqui!