Deus gosta de ouvir rock-and-roll

Publicado por Carlos Scheid 25 de agosto de 2016

deus ouve rock n roll

Sim, Deus gosta de ouvir rock. Não raro, ele interrompe os harpistas angélicos da Nona Sinfonia para ouvir U2. De quando em quando, Deus cala as vozes seráficas dos arcanjos para se concentrar nos soluços de Bob Dylan. Ainda que isso cause admiração em alguns, Deus está interessado no sofrimento dos homens, pois seu Filho experimentou de modo agudo este lado da condição humana.

Mesmo quando a voz dos solistas se transforma em uivos estridentes, Deus sabe que não são lobos a uivar para a lua, mas gritos de angústia que sobem do planeta em busca de remissão. O divino Maestro presta atenção aos gargarejos da guitarra elétrica, ali percebe os estertores de uma civilização em estado terminal. Ele contempla, compadecido, os tridentes tatuados na pele pálida, e chora pela imagem primordial oculta sob os traços e as cores.

Deus não ouve as baladas satisfeitas. Não lhe interessam as canções de amor que não passam de armadilhas de conquista e sedução. Ele quer ouvir a melodia vulcânica que vaza de almas rasgadas, o ritmo em brasa que pulsa de corações perturbados, pois só ele mesmo – o inventor do som – tem as pausas e os acordes que podem saciar nossa sede de paz…

* * *

Claude Chastagner, o autor de “La mécanique du rock”, cita a visão de Steve Turner a respeito do rock: “o melhor do rock se encontra quando ele exprime o desejo de uma vida espiritual intensa, uma esperança de salvação ou de resgate”. Para Turner, a música do U2 ou de Bruce Springsteen, de Bob Dylan ou de Van Morrison reflete seu profundo desejo de escapar das consequências da Queda original e da perda de Deus característica da época contemporânea.

Ainda quando, aqui e ali, a mensagem do rock se orienta para os demônios, permanece visível a busca de uma saída para um mundo que declarou a morte de Deus. A pulsante onda sonora que se eleva dos palcos está gritando desesperadamente: “Quem nos salvará?”

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Deus sabe – melhor do que nós! – que numerosos jovens reconheceram nos festivais de rock a sua primeira experiência de pertença a um grupo “religioso”, com tudo aquilo que o rock inclui de “iniciação”, de rituais e de êxtase emocional. Exatamente aquilo que esses jovens jamais encontraram em suas assembleias bem-comportadas, onde sua presença incomoda e suas inclinações são reprimidas pela raiz.

Enquanto isso, atento ao desespero e aos desesperados, Deus permanece de vigília, pronto a invadir os corações através de um verso de Bob Dylan. Talvez este:

“Mama, take this badge off of me
Cause I can’t use it anymore
It’s gettin’ dark, too dark to see
I feel like I’m knockin’ on heaven’s door
Knock, knock, knockin’ on heaven’s door…”

Sim, quando tudo fica escuro, estamos batendo às portas do céu…

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