XLV – Náufrago de mim mesmo

Publicado por Bill Braga 4 de dezembro de 2017

naufrago de mim mesmo

Aquele dia na praça vivi um momento único. Me perdi de Holly, e talvez de mim mesmo. Me embrenhei naquela energia e me integrei com várias pessoas. Estava solto, preocupado se ia rever ela, mas me jogava na vida como se não houvesse amanhã. Conheci budas, hippies e toda sorte de pessoas. Depois veio o dia seguinte, e novamente eu não estava tão adaptado ao convívio social, e fui internado. Mais uma vez. O drama se repetia.

Mas a realidade é que já me cansei desse drama. Desde lá até aqui, se repetiu mais algumas vezes mas isso não importa. Naquele réveillon, internado resolvi que iria fazer psicologia, numa tentativa de entender as minhas próprias loucuras, como que buscando uma resposta para aquilo que me inquietava. Tenho certeza que você também sente isso, em níveis diferentes, mas há no ser humano uma dimensão de incompletude, uma inquietação, uma não-satisfação com uma vida medíocre. Só naqueles que ousaram experimentar sair da caixinha. Porque no mais somos como um gado tocado pela mídia e pelo entretenimento que não ousamos perguntar as coisas mais profundas. Mas uma vez que você tenha um relance do Absoluto, não mais se encaixará no esquema. Esse é o meu dilema.

Cursei psicologia por dois anos, conheci pessoas interessantes. Novamente parei de tomar os remédios e novamente fui internado. Tive um namoro que não era esperado, com uma pessoa que morava em Niterói, e novamente numa crise fui abandonado, porque ninguém está preparado para lidar com pessoas que estejam fora do esquema. Entre tudo isso segui vivendo e procurei minhas respostas em várias linhagens, conheci o budismo zen, o advaita, o vedanta, o satsang, o taoísmo, os livros do Osho, o tantra. Tudo parecia fazer muito sentido, mas permanecia num nível teórico, parecia que não conseguia transportar aquilo tudo para minha vida prática.

Tentei novamente embrenhar no caminho do Xamanismo, fui para a Serra Sagrada, vivenciei experiências únicas com índios, e quando eu achava que estava tudo bem fui internado de novo. Conheci pessoas muito legais na clínica, tenho uma tendência a gostar de seres inadaptados, esses problemáticos são para mim os mais ricos.

Acabei largando a psicologia, e após um tempo deprimido aceitei um emprego. Me tornei um funcionário padrão, desses que bate ponto de 09:00 as 18:00hs. Depois de muita luta aceitei tomar os remédios por um tempo, como que um teste, para sentir como me comportava. A verdade é que me sinto medíocre e tolhido, como que se essas drogas cortassem meu potencial criativo e me tornassem adaptado a um esquema sócio-cultural terrível.

Mas o fato é que cansei de oscilar entre minhas ideações e a vida prática. Hoje vejo que meus planos foram todos por água a baixo, e tive que me readaptar às novas condições de vida. Sigo sobrevivendo, entre Eros e Tanathos, ou entre os dois pólos da bipolaridade, mania e depressão. Não há um dia em que não pense em me matar, mas não há um dia em que não pense nos prazeres de um copo de cerveja gelada. Entre extremos sigo como um náufrago, fluindo junto com a correnteza da vida, esperando as novas surpresas e oportunidades que podem surgir.

Se já fui de ateu a místico hoje tenho a certeza de uma espiritualidade bem prática e desligada de dogmas e rituais. E sigo perseguindo o ideal de ser aquele que Osho profetizou, Zorba, o Buda, que mistura os prazeres carnais apreciados por Zorba, o grego, e a espiritualidade e profundidade de Sidarta, o Gautama, o Buda. Porque precisamos nos limitar a um dos pólos do espectro, se temos todas as oportunidades ao nosso alcance?

Dizem alguns estudiosos que a bipolaridade nada mais é do que uma porta de entrada para um despertar espiritual. Eu acredito nisso. E acho que quando bem entendidos com nós mesmos, e quando equilibrados dentro do desequilíbrio do mundo, podemos ser extremamente sensíveis e criativos, indo além duma percepção de mundo usual. Mas carregamos esse fardo, da hybris grega, a desmedida. Esse extravasar, essa falta de limites, essa sensação de ser o centro do universo, são pharmakons. Como disse Platão os phármakons podem ser a cura ou o veneno, dependendo da dosagem e do uso. Assim considero. Não quero ser quimicamente castrado a ponto de ter o melhor de mim reprimido, e me tornar mais um zumbi nessa sociedade da matrix. Também não quero mais viver totalmente alheio, psicótico, a ponto de não ser compreendido por aqueles que me amam, estilhaçando relações amorosas e caindo numa solidão angustiante.

Os budistas falam muito do Vazio, e que esse Vazio é pleno, contém tudo, e que o silêncio é a linguagem de Deus. Eles nem acreditam em Deus. Enfim, licença Poética. O que quero dizer é que já tive a percepção desse vazio, pleno ou simplesmente vazio. Seja na depressão, quando nada parece fazer sentido e tudo é vazio e fútil a ponto da vida não ter sentido, seja na plenitude mítica da ayahuasca quando tudo se conecta e o Vazio parece ser tão poético quanto o brilho de um girassol. Mas entre os dois vazios escolho a plenitude de ser. Ser nesse mundo, meio errado, meio sem sentido, meio vazio, meio cheio, mas pleno de oportunidades. Sempre com a consciência de que esse mecanismo corpo-mente é apenas uma manifestação da Consciência Universal, portanto pouco importam questões como livre-arbítrio e escolhas. Somos Um, e se somos isso, a escolha da minha mente vale o mesmo que o de uma mente de formiga. Ela tem escolhas? Livre-arbítrio? Somos muito ousados de pensar que somente nós, em um universo tão complexo, podemos ditar o ritmo do nosso destino e escolher nosso rumo. Enfim, o Caos se torna Ser para se reconhecer enquanto Caos, no Silêncio do que é. Meio paradoxal, mas assim é.
Depois de tantas experiências, de loucura, misticismo, prazer, psicose, internações, sigo apenas com uma certeza. Aquela que habita no meu coração e que me diz que a vida vale a pena, apesar de tantos percalços, que aquele gole de cerveja, ou aquele beijo, ou uma noite de sexo, ou ainda a simples convivência com família e amigos vale a pena. Desisti de aprender ou evoluir e quaisquer que sejam meus karmas já pedi pra Lúcifer queimá-los. Sou porque estou, e estou apenas porque vivencio o Agora. Não há mais nada além desse momento, e escolho, curiosamente?, vivê-lo sem neuras, sem projeções, sem desejos. Nonada, diria Guimarães Rosa.

Nesse nada me delicio com as fantasias do meu passado, como estórias que conto para exorcizar algo que temia em se esconder aqui. Não, não tenho nada a esconder. Minha vida foi isso, se leram até aqui. Um eterno vai-e-vém entre loucuras e sanidades, como que vivendo entre dois mundos. Sou como um xamã, que nasceu na sociedade e cultura erradas, enquanto deveria viver meus êxtases como um processo de amadurecimento eles são interrompidos em nome da civilidade e da sanidade. Seguirei sendo esse xamã descontextualizado, e tenho certeza que nem minhas loucuras nem minhas sanidades acabarão por aqui.

Muitas páginas ainda hão de ser escritas, mas por enquanto sinto-me feliz de compartilhar minha trajetória até aqui com você. Meu futuro é duvidoso, como dizia a canção, mas certamente sempre agradecido pela benção da loucura, e pela oportunidade de experimentar um pouco do êxtase de se saber Um com o Todo. O resto é apenas floreio, sinta isso e conte para outro como se sentiu. E que um dia a gente possa compartilhar um copo de cerveja e ouvir uma boa música, rindo dos desvarios dessa vida.

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