XL – Encarando os demônios

Publicado por Bill Braga 7 de julho de 2017
encarando os demônios

encarando os demônios

Luciana foi mais um dos amores fugidios que eu tive. Quando estávamos internados ela estava namorando com um outro cara que também estava internado. Eu lembro de desejar muito ela, de alguma forma, ganhar um beijo, acalmar meus desejos. Mas isso não aconteceu, todavia viramos grandes amigos. Como sempre as amizades entre internos são um elo fundamental na passagem deles pela clínica, mas dificilmente essas amizades resistem após a alta. É que a volta para o mundo real, da normose, com suas rotinas acaba por afastar os malucos-beleza que, no ambiente da clínica, se apoiavam. A amizade é um tema muito profundo, e é um ingrediente terapêutico que ajuda a suportar os dias de claustro. Sempre faço muitas amizades nessa situação. Talvez não as tenha mantido com um contato constante porque muitas vezes passava uma fase deprimido, em que me isolava de tudo e de todos.

Estou me adiantando, mas saiba que essa história não tem mais ordem cronológica. De 2012 a 2017, ano em que escrevo essas linhas, minha mente se tornou um turbilhão de experiências mal processadas, um verdadeiro caos interno, mas sempre na busca de compreender, aceitar e perdoar tudo que fiz e possa ter magoado outras pessoas. Esse exercício é muito importante para sairmos dos efeitos da Lei do Karma, e nos reconciliarmos com nossos erros. Pois como dizia Osho, erre o quanto tiver que errar, mas não cometa os mesmos erros duas vezes. Erros diferentes propiciam aprendizados diferentes, e cada passo desses é importante no caminho do Despertar.

Posso estar soando muito místico, mas a verdade é que, depois de 2012 e da minha experiência com a Daniela e com o xamanismo via pajelança, algo mudou dentro de mim. Passei a buscar desenfreadamente aquele êxtase de me sentir uno com o universo, sentir que tudo está conectado energeticamente … a busca pelo sentido da existência guiaria meus passos … às vezes desistia no meio do caminho, trocava de linha, experimentava outra religião, mas a verdade é que eu estava perdido no caminho que foi por mim criado, para me conhecer.

Fiquei internado por um bom tempo e pulo daqui para fevereiro de 2013. Havia um tempinho que eu tinha saído da clínica e continuava com aquele vazio inexplicável no peito. Anos depois eu entenderia que esse Vazio-Presença é a Consciência do Que Eu Realmente Sou. Mas não nos adiantemos. Naquela situação, afastado do trabalho por licença médica, no ócio, resolvi que queria ter outra experiência com a ayahuasca, já que a primeira havia sido tão incrível quanto devastadora, por causa do meu medo de enlouquecer.

Pesquisei na internet e descobri um lugar em São Sebastião do Paraíso, sudoeste de Minas, em que haveria um ritual xamânico com a bebida sagrada, o vinho das almas. Minha mãe não podia saber que eu estava indo tomar ayahuasca. Ela morria de medo da aya, medo de eu surtar. Mas eu sentia no meu peito que aquele era um caminho para eu seguir … o xamanismo. Mais para frente vamos nos debruçar melhor sobre essa re-ligião. Inventei que ia para um retiro de meditação, e embarquei para Paraíso, sem conhecer ninguém. Detalhe … como eu sabia que nas cerimônias não deixam participar tomando remédios psiquiátricos eu parei de tomá-los escondido. Atitude infantil, você diria, mas não pela Verdade qualquer mentira pode ser útil. Será?

Viajei de ônibus a noite toda, cheguei à Rodoviária de lá por volta de seis da manhã. Estava animado, tinha certeza que teria uma experiência mística e encontraria algumas respostas ao que estava buscando. Será? Mas as perguntas são mais importantes do que as respostas, já que algumas dela não podem ser respondidas. E na beleza e profundidade do silêncio, surge um êxtase. Havia combinado com um dos organizadores do evento de me buscar na Rodoviária. Fiquei lendo um livro até as 08:30, quando ele chegou.

Não era com ele que tinha falado, eu havia conversado com o Elias, e aquele era o Laersson. Aceitei de bom grado a carona e fomos conversando um pouco no caminho. Ele me contou que aquele era um trabalho especial, reunindo três Institutos Espirituais diferentes, e que duraria 12 horas o trabalho. O trabalho era algo como “O caminho do Mestre”. Contei para ele da vez que tinha tomado ayahuasca, mas não contei da bipolaridade e dos remédios, escondi mais uma vez pela causa do Encontro com a Verdade.

Chegamos ao local do ritual, um sitio bonito localizado próximo à cidade. O “trabalho” mesmo só começaria à noite, então eu tinha que lidar com a minha solidão por não conhecer ninguém, até que se iniciasse o trabalho. Não me lembro bem, mas acho que não conversei muito com as pessoas enquanto aguardava. Fiquei quieto, na minha, só observando e absorvendo o conhecimento que aqueles seres de luz transmitiam ao conversar.

Depois de uma longa espera, era chegado o momento de tomar a ayahuasca. Confesso que veio um medo em minha mente, mas resolvi enfrentar todos os meus demônios e tomei. Como será que aquela bebida ancestral me afetaria dessa vez? Será que eu obteria alguma resposta?

Comentários
  • Marcio 2439 dias atrás

    E nossas sede literária e curiosidade como ficam? Carentes com a demora da manifestação de seus relâmpagos de lucidez.
    Continue nos iluminando nem que seja por pura misericórdia.

  • Márcio Marchesini 2447 dias atrás

    Bill, parabéns! Você está levantando os véus que cobrem muitos mistérios da alma humana. Como dizia Humberto Eco, na epígrafe de seu livro “O Nome da Rosa”: “As crianças e os loucos dizem sempre a verdade”. Louco e criança no melhor sentido de cada palavra, nesse mundo onde impera a hipocrisia.

  • Antonio Angelo 2454 dias atrás

    A franqueza e “honestidade” do relato impressionam…

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