Um homem quase triste

Publicado por Antonio Ângelo 28 de junho de 2018

Um homem quase triste

Não sabíamos de onde vinha
nem para onde ia
Era um senhor quase mudo
era um senhor quase triste

Meu pai dizia, quando chegava
– Venha, senta à mesa
Minha mãe ia às panelas
um bom prato lhe provia

Uma vez trouxe para mim
uma pedra de cristal
noutra um cachorrinho
a que dei nome de Capucho

Sempre com muita fome
sentava-se sem palavras
comia pausadamente
a cabeça grisalha inclinada

Arribava em diferentes horas
vindo dos confins do sertão
inundando a nossa casa
com cheiro fresco de mato

No verão, quantas vezes
chegava molhado de chuva
rosto e chapéu encharcados
botas cheias de lama

Não falava de sua vida
Mulher? Filhos? Trabalho?
Paixão não correspondida?
Palavra nenhuma dizia

Era um homem meio triste
a fumar cigarros de palha
era um homem quase mudo
mirando além dos pastos

Quando partia deixava
perguntas em nossa casa
– De onde viera?
para onde haveria de ir?

Única certeza tínhamos
certamente voltaria
minha mãe sempre dizendo
– Chega a qualquer dia…

Até que meses se foram
ele não mais retornou
restando a lembrança do homem
que sequer um nome tinha

Comentários
  • Wesley 2078 dias atrás

    Não há nomes na memória quando as coisas findam. Os retratos nos dizem uma história que só o tempo a nos levar pode tudo em nós apagar.

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