Com meu cão na noite escura

Publicado por Antonio Ângelo 5 de setembro de 2018

Com meu cão na noite escura

Andando por esta estrada de terra
numa noite estrelada
rumo a lugar nenhum, eu e você, meu cão.

Sigamos sempre juntos,
vivamos esta noite que –
de certa forma intuímos –
poderá não se repetir.

Veja contra as colinas
como se desdobra o firmamento,
veja como as estrelas vicejam
qual se fora um imenso canteiro
de brilhantes margaridas.

Não sabemos, nem eu,
muito menos você,
o que estamos a deixar para trás.

Adianta relembrar nomes na agenda,
o ir e vir do pêndulo do relógio na parede,
versos, músicas, um movimento de mãos da bailarina,
um telefone chamando na madrugada,
o álbum de fotos antigas,
alguém que nos pode ter amado,
o avô na cadeira de balanço dizendo palavras desconexas,
cantos de cigarras no estio,
mãos trêmulas a estender-se para nós?

Por ora não nos apressemos,
sigamos em meio ao que mal discernimos
na paisagem debuxada em carvão;
sigamos sempre em frente.
Em alguma curva aberta do caminho
retomaremos por minutos o fôlego.

Nenhuma pessoa encontraremos,
só eu e você, meu cão,
a caminhar sob o manto da via láctea
ao longo da estrada no descampado,
sem referencias, sem pontos cardeais.

Não desistiremos, meu esperto cãozinho,
e desconfio que ao final –
quando ao prenúncio da madrugada
a névoa tudo envolver,
ocultando de nossa visão os horizontes –
há de por nós passar a pálida senhora
de ombros recurvos,
que longamente nos fitará através de órbitas vazias.

Esteja certo – meu fiel amigo –
que então se confirmará o desígnio.
Nenhuma pergunta será necessária;
a estrada há de se bifurcar
e seguiremos por rumos diversos,
indo ao encontro de nossos deuses:
o seu a recebê-lo de braços abertos,
cheio de generosidade,
o meu, apenas vingança, ira e inclemência.

Comentários
  • Wesley 2018 dias atrás

    Não se amofine, caro amigo. Estaremos juntos. A cambada em peso, rumo às farras do além.

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